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sábado, 30 de novembro de 2013

Lição de teologia





Olavo de Carvalho - Jornal da Tarde, 2 de março de 2000 


Um amigo meu, cristão devoto e estudioso, preparou uma caprichada tradução dos Comentários de Ricardo de S. Vítor ao Apocalipse . Teólogos e filósofos, Ricardo e seu confrade Hugo, ambos da abadia de S. Vítor na França, escocês o primeiro, saxão o segundo, são daqueles pensadores para os quais o qualificativo de “gênios” é micharia. Não há gênio pessoal que explique os lampejos de pura sabedoria celeste. Os dois escreveram pouco. Mas esse pouco está entre as jóias supremas do tesouro espiritual da Igreja e da Humanidade. A tradução foi enviada a uma editora católica e daí repassada a um teólogo para apreciação. Resposta do teólogo:
“Esta tradução tem a sua utilidade e importância como livro documentário para fins de pesquisa por acadêmicos... Mas, como livro na linha pastoral para o povo simples de hoje, infelizmente perdeu o seu valor... É produto da mentalidade do século 12...”
E por aí vai, inclusive recomendando, em lugar do perempto Ricado de S. Vítor, a obra Como Ler o Apocalipse: Resistir e Denunciar , escrita por um sr. José Bortolini. Não li essa obra, mas, pelo título, atualidade não lhe falta, já que a palavra “denunciar” faz vibrar a corda mais sensível dos corações midiáticos, apelando àquilo que a militância do escândalo considera o primeiro e mais alto dever moral do homem.
Esse parágrafo é cheio de ensinamentos, dos quais, até onde alcançam as minhas luzes, pude apreender os seguintes:
1) A teologia católica, em vez de se desenvolver por acumulação, somando as descobertas de hoje às dos séculos passados como o fazem todas as demais teologias – muçulmana, judaica, vedantina ou budista –, evolui por substituição , colocando o moderno no lugar do antigo, exatamente como se faz na moda indumentária ou nos catálogos das gravadoras de rock .
2) O catolicismo também se distingue das demais religiões porque, enquanto estas dão maior credibilidade às interpretações mais próximas da fonte originária da revelação, os católicos, inspirados pelo espírito do progresso, tanto mais se aprofundam na compreensão da mensagem de Jesus Cristo quanto mais se afastam d'Ele no tempo e mais se esquecem do que os santos disseram d'Ele no século 12, isto para não falar do 11, do 10.º e de outros mais antigos ainda.
3) Por força talvez do avanço tecnológico, o habitante das grandes cidades de hoje tornou-se mais “simples” do que os lavradores, boiadeiros, artesãos e fiandeiras do século 12, todos eles sofisticados e eruditíssimos leitores de Ricardo de S. Vítor.
4) As visões espirituais dos sábios, dos santos e profetas refletem menos a luz da eternidade do que as limitações mentais da sua época histórica, sendo tão datáveis e perecíveis quanto as cotações da bolsa ou os pareceres dos teólogos de aluguel. Por força desse implacável desgaste entrópico, as palavras dos próprios apóstolos, remotas de 12 séculos em relação às de Ricardo de S. Vítor, empalidecem ainda mais do que estas ante a majestosa atualidade evangélica do sr. Bortolini.
Não é maravilhoso que a exegese católica da Bíblia possa ser tão inerme ante a ação desgastante do tempo e, não obstante, estar sempre subindo para aqueles patamares cada vez mais altos de compreensão que, até o momento, culminam na pessoa do sr. Bortolini? Ó santíssima evolução!, proclamaria, em êxtase, o pe. Teilhard. Joãozinho e Maria, atrasados pagãozinhos, precisavam deixar sinais no chão para se orientar na floresta. Os católicos foram abençoados com o dom de tanto mais saber onde estão quanto mais se esquecem do caminho percorrido. Não me perguntem como isso é possível. É um novo mistério da fé, substituído, pela moderna teologia, àqueles admitidos nos tempos bárbaros de Ricardo de S. Vítor. Convém denominá-lo, com a devida unção, “mistério da historicidade”, fazendo a festa de sua comemoração coincidir, no calendário litúrgico, com o natalício de S. Antonio Gramsci, padroeiro desse gênero de coisas.
O que não é mistério de maneira alguma é que uma Igreja que se rebaixa a esse ponto ante o espírito mundano, chegando a desprezar os ensinamentos de seus mestres porque não estão atualizados com a última versão dos Pokemons , corre o risco de terminar como aquela prostituta velha do Livro de Ezequiel , que, já não encontrando clientes que lhe paguem, tem de lhes dar dinheiro para que a possuam.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A educação grega e nós



  

A educação na Grécia antiga, cujo sucesso inegável é amplamente comprovado pela criatividade em todos os campos do saber e da arte, voltava-se, acima de tudo, à preparação dos jovens para os altos postos da vida pública: a política, a magistratura e a educação mesma. Se não é, portanto, uma fórmula que se possa copiar na instrução das massas em geral, e se nos dias de hoje seria utópico tentar imitá-la até mesmo para a formação da classe dominante, dos políticos, dirigentes de empresas, comandantes militares, bispos e cardeais, ela continua, no entanto, um modelo excelente para a educação da elite intelectual.

Não pretendo que seja possível ou mesmo desejável montar uma escola, muito menos um sistema nacional de educação, segundo o formato grego. Não é nesse sentido que uso a palavra “modelo”. Uso-a para designar apenas uma unidade de comparação e de medida que possa servir para a orientação pessoal, seja de alguns educadores, seja de pais de família interessados em homeschooling, seja de estudantes devotados a educar-se ou reeducar-se a si mesmos. Alguns dos meus alunos já têm clara consciência disso e vêm tirando proveito do exemplo grego, tanto para si mesmos quanto para seus filhos e, quando são professores, para seus alunos (v., por exemplo, 
http://radiovox.org/2013/10/24/carlos-nadalim-encontrando-alegria/).

Atendida essa limitação, a primeira coisa que deve nos chamar a atenção é a prioridade absoluta que, na educação infantil, se dava ao treinamento literário e artístico. Após a instrução moral básica dada pela educação doméstica, praticamente só o que se ensinava às crianças, tão logo elas estivessem alfabetizadas, era ler e decorar as obras dos grandes poetas, participar de encenações teatrais, cantar, dançar e fazer ginástica. Isso era tudo. O resto cada um aprendia por si ou com professores particulares.

Eis como Platão descreve esse processo:
“Quando os alunos aprendem a ler e começam a compreender o que está escrito, tal como faziam antes com os sons, dão-lhes a ler em seus banquinhos as obras de bons poetas [épicos], que eles são obrigados a decorar; obras cheias de preceitos morais, com muitas narrativas de louvor e glória dos homens ilustres do passado, para que o menino venha a imitá-los por emulação e se esforce por parecer-se com eles... Depois de haverem aprendido a tocar cítara, fazem-nos estudar as criações de outros grandes poetas, os líricos, a que dão acompanhamento de lira, trabalhando, desse modo, para que a alma dos meninos se aproprie dos ritmos e da harmonia, a fim de que fiquem mais brandos e, porque mais ritmados e harmônicos, se tornem igualmente aptos tanto para a palavra quanto para a ação. Pois, em todo o seu decurso, a vida do homem necessita de cadência e harmonia. Em seguida, os pais entregam-nos ao professor de ginástica, para que fiquem com o corpo em melhores condições de servir ao espírito virtuoso, sem virem a ser forçados, por fraqueza de constituição, a revelar covardia, tanto na guerra quanto em situações semelhantes.”
(Protágoras, 325 d7 ss. Tradução de Carlos Alberto Nunes ligeiramente modificada.)
Em seu livro densamente documentado, Arts Libéraux et Philosophie dans la Pensée Antique (Paris, Vrin, 2005), a erudita germano-francesa Ilsetraut Hadot acrescenta: “Os jovens de famílias prósperas recebiam também, desta vez gratuitamente, uma educação complementar tomando parte num côro trágico ou lírico, por ocasião das festas cultuais locais. Essas demonstrações eram, com freqüência, primeiras representações de uma peça de teatro ou de uma poesia lírica de autor contemporâneo; eram portanto a ocasião, para os jovens, de ser colocados em contato com todas as novas criações literárias do seu tempo e de aprendê-las de cor. Esta espécie de educação era tão importante, que Platão, nas Leis (II, 654 a-b), se vê levado a identificar o homem culto (pepaidymênos) com aquele que participou de um côro com freqüência suficiente (ikanos kekoreykôta) e, ao contrário, o homem sem cultura com aquele que jamais fez parte de um côro (akôreytos).”

Não há exagero em dizer que os jovens gregos, muito antes de entrar na vida pública, já tinham uma cultura literária superior à da média dos nossos atuais professores de Letras.

A preparação para a cidadania só começava depois de encerrada a etapa da educação escolar:

“Quando saem da escola, a cidade, por sua vez, os obriga a aprender leis e a tomá-las como paradigma de conduta, para que não se deixem levar pela fantasia e praticar alguma malfeitoria.”

Isso já era assim desde antes do advento dos sofistas, professores ambulantes que iam de cidade em cidade ensinando a arte da oratória e dos debates públicos. Os sofistas introduziram essas matérias na educação de alunos que já vinham não só com uma boa base literária e artística, mas com algum conhecimento das leis e princípios que regiam a vida social, conhecimento do qual a sofística era apenas um complemento técnico mais avançado. Prossigo esta explicação e tiro algumas conclusões dela no próximo artigo.

Professor Olavo de Carvalho - Filósofo, Jornalista e ensaísta

Publicado no Diário do Comércio.

PLC 122: o projeto de destruição da família.





O Projeto de Lei da Câmara n. 122/2006, conhecido nos meios cristãos como lei da "mordaça gay"01 e originariamente apresentado pela deputada Iara Bernardi (PT-SP) modificando várias normas do Direito brasileiro e criminalizando a chamada "homofobia", recebeu um substitutivo, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) – que seria submetido à votação no dia 20 de novembro, mas, graças às ligações e mensagens do povo brasileiro aos seus parlamentares, teve sua apreciação adiada02.
O relatório do parlamentar petista pretende colocar panos quentes em toda a discussão gerada pelo projeto original. "Ouvimos todos e não entramos na polêmica da homofobia. Essa foi a primeira mudança para elaboração desse relatório"03, diz o texto do novo projeto. No entanto, mesmo sem entrar "na polêmica da homofobia", o novo PLC 122 traz uma arma perigosa e ainda mais letal: a ideologia de gênero. O instrumento para ludibriar a população continua sendo a manipulação da linguagem, pelo qual é inoculado em termos aparentemente inofensivos um conteúdo ideológico e revolucionário. Assim, se o antigo texto disfarçava sob a expressão "homofobia" qualquer discordância da agenda homossexual, o novo texto esconde a ideia de que as pessoas não apenas recebem sua sexualidade como um dado biológico, mas são responsáveis por construir sua "identidade de gênero" – o termo aparece 5 vezes no substitutivo do senador Paulo Paim. Ou seja, embora a ênfase tenha mudado, a perversão continua.
As modificações introduzidas no texto do projeto de lei integram um script pré-concebido para desestabilizar totalmente a família tradicional. Ao contrário do que os meios de comunicação mostram, este processo de subversão não é algo "automático", como se o reconhecimento de "novas configurações" de família fosse uma expressão do zeitgeist ("espírito dos tempos") ou do "progresso" da civilização. Trata-se de um programa de ação sistemática idealizado justamente para destruir a família, já que esta, da forma como é concebida pela moral judaico-cristã, é um empecilho para que aconteça a revolução comunista tanto querida por Karl Marx. Para identificar isto, basta que se leia o famoso "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", iniciado por Marx, mas concluído por Engels; basta que se procurem as obras dos ideólogos de gênero, para descobrir quais são seus verdadeiros intentos.
Já que a família tradicional não está tragicamente fadada a desaparecer, a menos que os seus defensores fiquem de braços cruzados, é importante que os cristãos e conservadores deste país se juntem neste esforço político comum: combater a implantação da agenda de gênero na sociedade brasileira.
Católicos, protestantes, judeus, espíritas ou quaisquer homens de boa vontade são chamados a fazer uma coalizão a fim de defender o patrimônio moral que moldou o Ocidente, independentemente das diferenças que existam entre si, por maiores que sejam. O adversário – a esquerda – sabe perfeitamente qual o esquema para vencer: colocar os conservadores – especialmente os cristãos – uns contra os outros.
Ora, é evidente que os católicos, acatando as posições morais e doutrinárias da Igreja Católica, continuarão tentando converter os protestantes – e vice-versa. No entanto, é preciso que todos aqueles que creem em Cristo tomem consciência do perigo maior que ronda a sociedade neste momento. Não se pode brigar por causa de um "arroz queimado" na cozinha quando a casa inteira está sendo incendiada. É preciso, antes, apagar o fogo da casa, para, depois, discutir o arroz. Da mesma forma, ao invés de lançar brigas no seio do movimento conservador, é necessário que os cristãos se unam contra o inimigo comum; se não, ambos serão destruídos.
O que os socialistas realmente querem é a destruição da moral judaico-cristã, e não o reconhecimento de supostos "direitos homossexuais". Os marxistas estão a utilizar os homossexuais como "ponta de lança", pois é sabido que, nos regimes comunistas de Stálin, Mao e Fidel Castro, foram justamente os homossexuais os primeiros a morrer, ora fuzilados em "paredões", ora oprimidos em campos de concentrações. Isto explica por que, diante de padres e pastores tentando ser fiéis à sua religião, o movimento gayzista faz um alarde, mas, diante dos crimes perpetrados pelas ditaduras socialistas contra os homossexuais, eles se calam: o movimento LGBT é amplamente subvencionado pelo marxismo cultural.
A votação do PL 122 na Comissão de Direitos Humanos não foi cancelada, mas apenas adiada. Por isso, é importante que a população brasileira continue enviando e-mails e telefonando ao Senado Federal, para mostrar que não quer a agenda de gênero implantada em nosso país. Os telefones e e-mails dos senadores da referida Comissão estão disponíveis no site do articulista Julio Severo04.

Material de Estudo

Referências
1.     Ao final de 2011, o padre Paulo gravou uma aula sobre os perigos deste projeto. Cf. Aula Ao Vivo n. 9: PL 122, a lei da mordaça gay.
2.     "A pressão sobre o PLC 122 foi tão grande que o senador Paulo Paim, autor de uma mudança no PLC 122 que supostamente deixava o projeto "inócuo," teve de retirá-lo da pauta da votação, que seria hoje", segundo o blog do Julio Severo.