Artigo de autoria de Jeffrey Nyquist, diretamente da Rússia, que dá uma noção bem ampla do que realmente está acontecendo na Ucrânia.
Por conta da habilidade da KGB de se infiltrar nos movimentos que faziam
oposição a Moscou, todas as revoluções ou mudanças políticas no extinto bloco
soviético são enigmáticas. Nunca podemos estar certos sobre quem de fato ganhou
até sabermos – após um longo tempo – em quais mãos está o poder.
Na última semana Tennent “Pete” Bagley faleceu. Ele foi uma pessoa importante
na história da CIA, especialmente no que diz respeito ao deslindamento da
inteligência americana que teve início nos anos 1960 – deslinde esse que nos
traz à presente crise que está se desenvolvendo em Kiev e Washington.
Nos dias atuais, uma guerra estourou no leste europeu entre a “União Soviética
oculta” – nome usado por Boris Chykulay – e o povo ucraniano. É uma guerra que
atingiu sua massa crítica e suas ramificações vão longe.
Uma piada: O que aconteceu em Kiev já deve ter acontecido em Washington; mas no
caso ucraniano eles aprenderam o segredo de uma contrarrevolução bem-sucedida
após viverem décadas sob o domínio soviético. O socialismo americano – mesmo
que a minha piada (acima) tenha um pouco de exagero –, assim como o socialismo
soviético, é, não obstante, um sistema burocrático e corrupto em que os líderes
do governo não prestam conta mesmo quando a propriedade privada e as liberdades
individuais estão sob risco. Na Rússia, o sistema socialista tem um aspecto
adicional: ele fez uso de um velha instituição czarista: a polícia secreta. A
KGB da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas usaram dos métodos czaristas
de controle de oposição e da rede de agentes secretos – muitos dos quais se
passavam até mesmo por inimigos do governo.
Por conta da habilidade da KGB de se infiltrar nos movimentos que faziam
oposição a Moscou, todas as revoluções ou mudanças políticas no extinto bloco
soviético são enigmáticas. Nunca podemos estar certos sobre quem de fato ganhou
até sabermos – após um longo tempo – em quais mãos está o poder; isto é, se a
velha elite comunista continua no comando do exército, da polícia, da mídia, do
sistema econômico e dos cargos chave no governo. A análise neste caso é simples
de se fazer, mas ninguém no ocidente está tentando fazê-la. Nenhuma carreira
avança ao fazer tal análise, especialmente nos países do ocidente onde os
poderes constituídos ouvem somente aquilo que querem ouvir e descartam o resto.
Más notícias não são negociáveis sob o regime do shopping center. As classes
endinheiradas querem investir nos países recém-libertos do “extinto” império
soviético. O apelo à ganância já os sobrepujou – fim da discussão.
Assim, o império soviético mantém-se intacto ao operar por meio de estruturas
ocultas. A oposição controlada pela KGB foi a protagonista da história em 1989
e 1991. Essa sempre foi a história que nunca contaram. Ela continuará
sem ser contada até que a União Soviética oculta seja derrubada de uma vez por
todas. Eu conversei com os colegas de escola de Vaclav Havel que descreveram-no
como o perfeito instrumento do Estado comunista – um falso dissidente e homem
de confiança da KGB. Em 1992, um líder da Solidariedade Combatente disse-me que
Lech Walesa era um títere de longa data da polícia secreta polonesa. Desde
muito antes fora publicado o codinome ao qual a polícia secreta se referia a
Walesa: BOLEK. (v. “Entrevista com o historiador Slawomir
Cenckiewicz: ‘Prova positiva’ de que Lech Walesa era um espião comunista”).
Aceleremos até o presente: O que tem acontecido na Ucrânia? Quem integra o time
moscovita em Kiev? A maioria dos parlamentares, para começar; Yulia Tymoshenko
em particular; os comandantes militares e dos serviços de segurança, excetuando
todos aqueles que estão trabalhando secretamente no movimento clandestino ucraniano.
(Saber que há um poderoso movimento clandestino – ou underground – com
seus próprios tentáculos em Moscou não é mero otimismo. É como funciona o
mundo. Os ucranianos foram soviéticos e, como tais, eles tiveram a oportunidade
de jogar o mesmo jogo que os russos vêm jogando com eles. Isso jamais deve ser
esquecido. Pense nas obras de Golitsyn ou nas obras de Viktor Suvorov. Os
ucranianos têm experiência, acesso e motivação para jogar – e ganhar – dos
russos em seu próprio jogo. Consequentemente, entender o que de fato está
acontecendo na Ucrânia é um desafio difícil e delicado que requer cuidadosa
análise e conhecimento detalhado.)
O Kremlin tem várias armas, vários agentes e várias fraudes a seu serviço. Um
país que outrora fora comunista pode, em si mesmo, parecer uma “selvageria de
espelhos”. Os comunistas gostam de confundir o processo político em todos os
países. Isso também se aplica à Alemanha em parte por ela já ter sido um “país
comunista” (i.e. República Democrática Alemã). Ao ouvirmos que a conservadora
Chanceler alemã Angela Merkel está ansiosa para se encontrar com a ex-Primeira
Ministra ucraniana Yulia Tymoshenko, que saiu recentemente da prisão,
precisamos primeiro considerar o passado de Merkel com o Partido Comunista
antes de considerarmos o papel de Tymoshenko como ajudante menor de Moscou.
Ambas têm uma relação peculiar com Moscou que vai fundo no passado.
Uma jornalista alemã recentemente escreveu para mim sobre Merkel, dizendo que a
inteligência alemã tentou avisar os Democratas Cristãos que Merkel era “uma
pessoa perigosa”. Não obstante, os Democratas Cristão não deram ouvidos e hoje a Alemanha é mais dependente do
que nunca do gás natural russo. Quanto à situação atual da Ucrânia,
com o aparente colapso do governo de Yanukovych, tive a chance de conversar com
o ativista ucraniano Boris Chykulay, que explicou a situação nos seguintes
termos: “Instintivamente as pessoas sabem que estão lutando contra uma URSS
oculta. Você pode ver isso agora em todas as cidades com a queda de tantos
monumentos a Lênin.”
Chykulay está propondo uma lei lustral que preveniria que “ex” comunistas
mantivessem cargos públicos na Ucrânia. Como explica a Wikipédia, a “lustração é o processo
governamental que regula a participação de ex-comunistas – especialmente
informantes da polícia secreta comunista – em posições políticas de sucessão ou
indicação ou em posições de serviço civil [...] após a queda de vários Estados
comunistas europeus...” A lustração poderia ser uma importante ferramenta na
restrição do acesso de comunistas ao poder na Ucrânia, para que assim se
pavimente um novo começo. Como explicou Chykulay, “Precisamos de uma lei
lustral para limitar a influência da KGB... [e de todas as estruturas
soviéticas remanescentes]”. Para consertar o que está errado na Ucrânia, disse
Chykulay, os ucranianos precisam expurgar a União Soviética oculta que age às
escondidas no cenário político ucraniano.
“O problema que enfrentamos agora”, disse Chykulay, “é que Putin simplesmente
disse adeus ao mafioso Yanukovych. Agora ele começará a agir com os agentes
padrão”. Conforme acrescentou outro ativista, os políticos que agora estão
tomando a frente das negociações diretas são ex-líderes do Komsomol que agora
estão no parlamento. Esses são os mais comprometidos dos comunistas do velho
sistema. Eles não são democratas em qualquer concepção. De acordo com Chykulay,
esses “agentes padrão” estão dizendo aos manifestantes de Maidan para irem para
suas casas, que a revolução foi vitoriosa. “Eles estão tentando manter o velho
sistema, sem qualquer resultado ou mudança. Eles querem dar fim no caso”,
explicou. “A Rússia tentará controlar a Ucrânia por meio da sua velha rede; por
meio de Yulia Tymoshenko e associados. Disse ela: ‘Queridos ucranianos, não
deixarei que o governo os machuque novamente’. Por aí você já vê que eles já
descrevem o governo ucraniano como algo separado do povo ucraniano. Eles querem
salvaguardar as velhas estruturas soviéticas. Aos ucranianos foi, portanto,
dito que eles não seriam atacados”.
Há perigo de a Ucrânia ser alvo de um ataque direto? Os russos poderiam
interferir com suas tropas?
“Sim, a Ucrânia ocidental é um alvo em potencial” respondeu Chykulay. “Eles
dirão que o povo em Lviv é fascista para depois pintar a Ucrânia como um país
de extrema direita”. O Kremlin, com efeito, ameaçou invadir qualquer
ex-república soviética onde os direitos das minorias russófonas fossem
desrespeitados. “O caso da Georgia em 2008 é um exemplo primordial. O único
problema de se levar a cabo tal ataque militar está na confiabilidade das
tropas russas e da reação da Europa”.
Evidentemente a guerra é o último recurso. O Kremlin tem vários dispositivos e
truques para usar antes que as coisas atinjam tal grau de extremidade. De
acordo com Chykulay, “Essa organização [a KGB] sempre teve tudo sob controle. Primeiro
matam esse cara, depois o próximo. É assim que eles impedem o progresso da
oposição. Depois eles começam a podar a floresta em outra direção. Claramente
eles têm as coisas sob controle. Eles se sentem no controle. Contudo, por
debaixo dos panos, eles estão perdendo esse controle. A internet os deixa
desorientados.”
Há um cauteloso otimismo por parte dos ativistas ucranianos. As tentativas
anteriores de liberdade foram frustrantes, é verdade, mas Maidan possui boas
táticas e se recusa a ser enganada pelos títeres do Kremlin. Um analista
ucraniano assim explicou: “Conforme acontecerem as coisas, o povo não aceitará
as manobras dos líderes. Nesta manhã Maidan foi palco de um encontro maciço que
tratou de Tymoshenko. Eles chamaram de ‘encontro de ação’, dado que ele foi
tratado como algo contra um retorno de Tymoshenko à política. Se ela voltar,
disseram, o clã gangster tomará conta e nada mudará. A exigência é que tudo
recomece do zero”.
A contrarrevolução anti-comunista na Ucrânia ganha força. Moscou manda seus
bonecos de ventríloquo para o moedor de carne. Um é moído após o outro. Quem
irá emergir como novo líder? Talvez o jogo da oposição controlada exauriu suas
possibilidades na Ucrânia.
O tempo dirá.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior