O fenômeno da transverberação ficou conhecido principalmente por causa
da famosa escultura de Gian Lorenzo Bernini, chamada "O Êxtase de Santa Teresa",
que está na Igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. Essa magnífica obra
barroca retrata uma experiência relatada pela própria Santa Teresa de Jesus, em
sua autobiografia:
"Quis o Senhor que eu tivesse algumas vezes esta visão: eu via um
anjo perto de mim, do lado esquerdo, em forma corporal, o que só acontece
raramente. Muitas vezes me aparecem anjos, mas só os vejo na visão passada de
que falei. O Senhor quis que eu o visse assim: não era grande, mas pequeno, e
muito formoso, com um rosto tão resplandecente que parecia um dos anjos muito
elevados que se abrasam. Deve ser dos que chamam querubins, já que não me dizem
os nomes, mas bem vejo que no céu há tanta diferença entre os anjos que eu não
os saberia distinguir.
Vi que trazia nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro
julguei que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão de que ele me
perfurava o coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas.
Quando o tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda
abrasada num imenso amor de Deus. A dor era tão grande que eu soltava gemidos,
e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a alma não
desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus. Não se
trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às
vezes muito. É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua
bondade que dê essa experiência a quem pensar que minto."[1]
De acordo com a descrição de Santa Teresa, está a se falar, sobretudo,
de uma experiência extraordinária do amor de Deus. Como muitos não acreditaram
no que ela relatou – a própria santa faz referência "a quem pensar que
minto" –, o próprio Deus fez questão de mostrar a veracidade do que ela
dizia. Em 1591 – dez anos após a sua morte e vinte após a sua transverberação
–, exumaram o seu corpo e perceberam que estava incorrupto. Então, a pedido de
um bispo, o coração de Teresa foi retirado, a fim de que fosse exposto na
cidade de Alba de Tormes, onde ela morreu. Para espanto geral, havia em seu
coração uma ferida cicatrizada, com sinais de cauterização – o que se encaixa
perfeitamente com a experiência da transverberação, quando foi penetrada por um
"dardo de ouro comprido" em cuja ponta de ferro "parecia que
tinha um pouco de fogo": o atestado divino de que esse fenômeno é
verdadeiro e a santa não estava mentindo.
A própria Igreja, porém, tem critérios muito rigorosos para aprovar
esses tipos de milagres. O padre Quevedo, no livro "Os Milagres e a
Ciência", fala, por exemplo, do cardeal Prospero Lambertini – Papa Bento
XIV –, que, com bastante cuidado científico, investigou o caso da
transverberação de Santa Teresa e defendeu a fé católica contra embustes e
falsificações, aprovando esse fato extraordinário.
Mas, em que consiste, de fato, a transverberação? Trata-se de uma
experiência que, antes de qualquer coisa, acontece na alma. Santa Teresa mesma
diz que a dor causada pelo dardo místico do anjo "não é dor corporal, mas
espiritual". No caso dela, bem como no caso de São Pio de Pietrelcina e de
São Francisco de Assis, a transverberação teve efeitos também corporais. Mas
eles não são necessários, como explica São João da Cruz:
"Se Deus, por vezes, permite que se produza algum efeito exterior,
nos sentidos, semelhante ao que se passou no espírito, aparece a chaga e ferida
no corpo. Assim aconteceu quando o serafim feriu a São Francisco: chagando-o de
amor na alma com as cinco chagas, também se manifestou o efeito delas no corpo,
ficando as chagas impressas na carne, tal como foram feitas na alma ao ser
chagada de amor. Em geral, não costuma Deus conceder alguma mercê ao corpo, sem
que primeiro e principalmente a conceda no interior, à alma."[2]
No processo de santificação, o mais importante é o que acontece no espírito,
não no corpo. Por isso, adverte ainda São João da Cruz, "quanto mais
intenso é o deleite, e maior a força do amor que produz a chaga dentro da alma,
tanto maior é também o efeito produzido na chaga corporal, e crescendo um,
cresce o outro"[3]. Ou seja, a medida verdadeiramente extraordinária desse
fato não está senão no interior, no que acontece à alma.
Santa Teresinha do Menino Jesus também passou por essa realidade
mística, mas sem receber chagas corporais. Em um relato do dia 7 de julho de
1897, recolhido no "Caderno Amarelo", de Madre Inês de Jesus, é
possível ler:
"Começava a minha Via Sacra quando, de repente, fui tomada por um
amor tão violento pelo Bom Deus, que não posso explicar isso senão dizendo que
era como se me tivessem mergulhado toda no fogo. Oh! Que fogo e que doçura ao
mesmo tempo! Eu ardia de amor e sentia que um minuto, um segundo a mais, e não
conseguiria mais suportar tal ardor sem morrer. Compreendi, então, o que dizem
os Santos sobre esses estados que eles experimentaram tantas vezes."[4]
Mas, afinal, o que acontece à alma transverberada? Ela é completamente
invadida pelo amor divino. É Deus mesmo quem age na alma para aumentar nela a
caridade.
Isso é feito no sentido de aumentar a comunhão da alma com Deus. Algumas
pessoas têm uma visão equivocada de santidade: acham que é um
"moralismo", em que se seguem os mandamentos e, com as próprias
forças, se chega à perfeição. Mas a santidade não é isso. Ela é, ao invés, o
progresso no amor: Deus derrama em nossos corações o Seu Espírito e purifica o
nosso amor, até chegarmos à caridade perfeita, às últimas moradas do nosso
"castelo interior".
Como se dá esse processo? Primeiro, acontece a conversão, quando se
deixa a vida de pecado e se trilha a "via purgativa", com oração e
mortificações. Então, não havendo mais o que se purificar ativamente, Deus
prova a alma pela "noite escura dos sentidos" e pela "noite
escura da alma", depois das quais ela se encontra em um estágio elevado de
santificação.
Santa Teresa recebeu o dom da transverberação quando estava na sexta
morada. Tendo passado pela "união árida" (também chamada "noite
escura"), não tinha ainda chegado à perfeição. Ela encontrava-se em um
estágio intermediário, chamado de "união extática", em que alma
recebe os fenômenos extáticos, é tocada pelo amor, mas ainda existem muitos
altos e baixos. Faltava-lhe passar pela "união transformante", na
qual a alma se configura definitivamente a Cristo – o que aconteceu quando ela
entrou na sétima morada.
São João da Cruz, ainda em seu "Chama Viva de Amor", descreve
com detalhes a transverberação:
"Acontece-lhe, então, sentir que um serafim investe sobre ela, com
uma flecha ou dardo todo incandescente em fogo de amor, transverberando esta
alma que já está inflamada como brasa, ou, por melhor dizer, como chama viva, e
a cauteriza de modo sublime. No momento em que é cauterizada assim, e
transpassada a alma por aquela seta, a chama interior impetuosamente irrompe e
se eleva para o alto com veemência, tal como sucede num forno abrasado ou numa
fogueira quando o fogo é revolvido e atiçado, e se inflama em labareda. A alma,
então, ao ser ferida por esse dardo incendido, sente a chaga com sumo deleite.
Além de ser toda revolvida com grande suavidade, naquele incêndio e impetuosa
moção que lhe causa o serafim, provocando nela grande fervor e amoroso
desfalecimento, ao mesmo tempo sente a ferida penetrante e a força do veneno
com que vivamente estava ervada aquela seta, qual uma ponta afiada a
enterrar-se na substância do espírito, a traspassar-lhe o mais íntimo da
alma."[5]
Em resumo, a transverberação é Deus agindo na alma para purificar o amor
humano e levar à paz definitiva com Cristo já nesta terra. Assim conduzida, a
alma santificada pode finalmente dizer: "Eu vivo, mas já não sou eu; é
Cristo que vive em mim"[6].
Referências bibliográficas
1.
O Livro da
Vida, capítulo 29, n. 13
2.
Chama Viva
de Amor, canção II, n. 13. In Obras Completas, volume II,
p. 131
3.
Ibidem
4.
Santa
Teresinha do Menino Jesus, Obras completas escritos e últimos colóquios. São
Paulo: Paulus, 2002. p. 897
5.
Chama Viva
de Amor, canção II, n. 9. In Obras Completas, volume II, p. 130
6.
Gl 2, 20
FONTE: padrepauloricardo.org
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