Ao
menos isso não nos sonegaram os professores de história do Brasil: que esta
nação teve como pedra fundamental: a
Santa Missa e que com isso tornou-se a terra recentemente descoberta, Terra de Santa Cruz, o que decerto põe-nos
sob uma alta vocação; a vocação à Santidade!
Porém,
poucos nos é relatado sobre os ocorridos e pormenores deste ato que fincou no
âmago do Brasil a vocação à perfeição cristã.
A
literatura Brasileira, segundo nos diz Massaud Moisés em sua obra “Literatura
Brasileira através dos textos”, inicia-se
com a Carta de Pero Vaz de Caminha à D. Manuel, então Rei de Portugal, sobre o “achamento”
do Brasil, onde relata absolutamente tudo o que foi visto, em detalhes que vão
desde a minuciosa descrição corporal dos habitantes desta terra, até detalhes
geológicos sobre o solo em que pisavam.
Nesta
carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Cabral, são relatados
dois acontecimentos, que quando interligados dizem-nos muitíssimo á respeito da
Fé e seu anúncio adaptado à cada tempo.
Numa
narração, contemplamos pela pena de Caminha, o encontro do Capitão de uma das
caravelas com os índios:
“O Capitão, quando eles vieram, estava sentado numa cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa (tapete*) por estrado. (...) Ascenderam-se as tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao capitão nem a ninguém. Porém, um deles pôs o olho no colar do capitão, e começou a acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para o castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata. Mostraram-lhe um papagaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão e depois a tomaram como que espantados.”(1)
Nesta
narrativa, percebemos que os nativos desta terra eram de certa forma habituados
com a beleza; sabiam de fato reconhecer e tomar por importante tudo o que aos
seus olhos era a representação da Beleza, mesmo que não soubessem conceitua-la; aconteceu isso com o Colar de ouro do
Capitão e com o castiçal de Prata, itens que certamente deviam brilhar aos seus
olhos da mesma forma que brilhavam aos olhos dos portugueses, o que me leva
crer que a alma humana é dotada de certa capacidade de reconhecer aspectos,
símbolos e reflexos da Beleza. Não vemos, entretanto, a mesma atitude diante da imagem dos nativos
ao serem postos diante do carneiro e da galinha, animais estes que não
despertam a sensibilidade dos nativos. Deduz-se portanto, que os índios sabiam
reconhecer o Belo.
Num
outro trecho da carta, a pena de caminha perpassa pelo momento em que deu-se o
Santo Sacrifício da Missa, e numa narrativa deliciosa para quem tem a Fé,
conta-nos a postura dos índios diante da Santa Missa:
“E hoje, que é sexta-feira, primeiro de maio, pela manhã, saímos em terra, com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor Chantar a Cruz, para ser melhor vista. Ali assinalou o capitão o lugar, onde fizessem a cova para chantar.Enquanto ficavam fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante, cantando, em maneira de procissão. Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinquenta ou mais (índios*).Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram o altar ao pé dela. Ali disse a Missa o Padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinquenta ou setenta deles, assentados todos de joelhos assim como nós.E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus (Momento da Elevação da Hóstia Consagrada, que já é o Cristo.*), que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o capitão com alguns de nós outros.Alguns deles, por o Sol ser grande, quando nós estávamos comungando, levantaram-se e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim ajuntava estes, que ali ficaram e chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o Altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.”(1)
É
belíssimo percebermos a importância dos gestos diante dos mistério que se
desenrola no Altar durante a Santa Missa! Os gesto externos são nada mais nada
menos do que a manifestação exterior de uma disposição interior; representam o
grau de reverência e abertura da alma à beleza do sagrado, e isto é percebido
pelos índios, segunda a pena de Caminha.
Os
portugueses com seus gestos de piedade eucarística tornam-se sinais; placas
luminosas que apontam na direção da reverência interior, incitando os nativos a
iniciarem sua caminhada por tão excelsa estrada.
Dissemos
anteriormente, que os nativos, ao que tudo leva a crer, sabiam reconhecer e
captar aspectos, sinais e reflexos do Belo: aqui temos a confirmação! Vemos
também que eles poderiam ter rechaçado
ou apresentado sinais de repúdio e medo diante do rito que se seguia, assim
como o fizeram com a galinha e com o carneiro na narração anterior, mas assim
não o fizeram.
O
que vimos, foi o total entendimento do sentido e da finalidade da Santa Missa; foi a total aceitação do Sagrado, do Belo e do Excelso quando ao
final da Santa Missa, um deles aponta para o altar e depois para o Céu como
quem diz: “isto aqui, nos leva para ali!”
Me
diz que não foi o indiozinho mais eficiente que muito padre ou catequista...
Referências
1- Carta de Pero Vaz de Caminha, com um estudo de Jaime Cortesão, Rio de Janeiro, livros de portugal (1943), pp 205-207, 235-237, 238, 239-240
Nenhum comentário:
Postar um comentário