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sábado, 10 de dezembro de 2011

As exigências do pensamento: Raízes da Intelectualidade Cristã



As primeiras literaturas cristãs apresentam-se, pois, sob um aspecto modesto: os seus fins e seus meios são limitados. Mas em breve, a partir da segunda metade do século II, começa a expandir-se  e a ganhar altura. À medida que a planta cristã cresce, razões de ordem interna condicionam o seu desabrochar progressivo e uma fixação mais profunda das suas raízes, ao mesmo tempo que com uma flexibilidade e um poder de absorção admiráveis, vai buscar aos elementos exteriores tudo o que possa servir para o seu desenvolvimento.
A princípio, a Igreja não contava com intelectuais. São Paulo escrevia aos Coríntios; “Vede, irmãos, quem foi chamado entre vós; pois não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres” (1 Cor 1,26). Este predomíniode gente humilde e de poucas letras durará perto de dois séculos, será reconhecido pelos cristãos e tronar-se-á motivo de ironia para os seus adversários. Mas já a partir do reinado de Adriano, o cristianismo penetrará nos meios cultos, e no fim do século II são já numerosos os intelectuais que, evidentemente, meditam na sua fé segundo os processos que lhes são familiares e entendem dever defende-la das críticas no terreno que lhes é também habitual. Assim esboça-se a filosofia cristã.
Para avaliar a força das exigências do pensamento que o cristianismo vai sofrer, é preciso ter em conta a atividade intelectual que animava a sociedade greco-romana dos primeiros séculos, o seu gosto, ou melhor ainda, a sua paixão pelas ideias. Em páginas muito curiosas,  o filósofo Sêneca conta à Lucílio que na sua juventude seguia com frenesi os ensinamentos dos mestres e se submetia com amor às regras de ascetismo que estes lhe aconselhavam. A filosofia estava então na moda. Em muitas escolas, um público numeroso acorria aos cursos, como há anos o público parisiense acorria às aulas de Bergson. É certo que o esnobismo contribuía em parte para essa aflu~encia, mas havia também almas sinceras que procuravam nas doutrinas uma resposta para os grandes problemas e um apaziguamento para suas inquietações. Verificava-se um renascimento peripatético, devido á edição das obras de Aristóteles por Andrônico de rodes, bem como uma renovação platônica encarnada por Plutarco de Cesaréia e Apuleio; esta corrente, além disso, fazia sentir a sua influência sobre o neoptagorismo de um Moderato de Gades ou de um Nicômaco de Gerasa. E havia sobretudo uma expansão do estoicismo, que conta nos dois primeiros séculos com nomes eminentes como Sêneca, Epicteto, e Marco Aurélio. Desta meneira, os intelectuais Cristãos irão encontrar pela frente um corpo de pensamento efetivamente poderoso.

A reação natural dos fiéis cultos é pois, mostrar que tiveram razão em adotar a fé em Cristo, que a sua religião não é mais uma superstição bárbara de que tenham de curar-se, como lhes disse Celso, e que o Cristianismo sustenta-se intelectualmente. É isto o que os levará a das os primeiros passos nos caminhos da dialética cristã, um caminho que será trilhado posteriormente por Orígenes, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Mas as dificuldades não foram pequenas. Os filósofos profissionais, que nesta época, se se ocupavam sobretudo dos problemas morais, gostavam de ser considerados como mestres na direção das almas, viam com certa irritação que as suas funções passavam para as mãos dos pregadores que alardeavam princípios novos e doutrinas sem glória. Minúcio Félix, o apologista, diz que a maior parte dos filósofos não se dignava escutar e se envergonharia de responder-lhes. Mas isso não correspondia inteiramente à verdade, pois por ocasião do processo de São Justino, verificou-se entre a numerosa assistência uma curiosidade por conhecer sua pessoa e as suas ideias. O que Minúcio Félix diz com muito mais exatidão, porém, é que os intelectuais Cristãos, embora desprezados e criticados, e desempenhando um papel muito difícil, se sentiam impelidos por uma força invencível. “Talvez não digamos grandes coisas, mas somos nós que temos a Vida!”

O primeiro fim que tinham em vista, era portanto, afirmar a dignidade do pensamento cristão. Ora, haverá melhor meio de opor-se a uma doutrina do que ir buscar ao adversário suas próprias armas? Os filósofos invocam a razão? Mas não é Cristo a razão encarnada, a suprema sabedoria? E não há nos sistemas gregos, elementos que possam ser anexados ao Cristianismo? Os intelectuais Cristãos em torno do ano 150 já haviam compreendido a necessidade daquilo que a Igreja saberá fazer maravilhosamente no decorre dos séculos, isto é, segregar o seu mel, servindo-se de todas as fontes. Mais do que Aristóteles, em quem a maior parte das vezes não veem senão “o físico”, e até o ateu; mais do que os estóicos, tão próximos às vezes pelo seu vocabulário, das palavras evangélicas, é principalmente de Platão que eles se servem, a tal ponto que se pôde falar de um platonismo dos Padres da Igreja. Sem deixarem de apontar as lacunas da doutrina platônica, o erro das preexistência da matéria e várias aberrações na sua moral, verão no sábio filósofo um vidente superior, em quem preexiste o eco de certas afirmações cristãs. É segundo os seus métodos que se fará apelo à razão para justificar a existência de Deus, a imortalidade da alma, a distinção entre o bem e o mal, assim como o Juízo Final.

Rops, Henri-Daniel, “A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires”, Ed. Quadrante, vol I, 1988, SP, p. 272 – 273

PAX CHRISTI

Diogo Pitta

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