É bom, quando em tempos de galopante descristianização e dessacralização do ocidente, podemos contemplar um ateu tecer loas ao cristianismo e à sua ação construtora da civilização ocidental. Digo isso pois o ateísmo foi o grande responsável, juntamente com o paganismo dos Césares e o islamismo de Maomé, pelo massacre de cristãos aos milhões, durante os séculos. O Comunismo, ateu, matou mais de 100 milhões de pessoas em menos de meio século, e destes "mais de 100 milhões", alguns muitos milhões foram cristãos. Portanto, alegra-me ler um artigo escrito por um ateu, engrandecendo e dizendo a verdade sobre a ação da Igreja no mundo. Não curto muito seus escritos, mas neste digo, obrigado Rodrigo Constantino!
Caritas: o legado moral do cristianismo
por Rodrigo Constantino
Domingo de Páscoa, lá vou eu falar sobre o legado moral de
Cristo. Meu ateísmo não me impede de enxergar alguns fatos. Pagãos no passado
foram obrigados a reconhecer que “algo diferente” surgia daquela seita de
seguidores do judeu que morreu na cruz. Essa principal diferença era sua
propensão à caridade, a forma aparentemente desinteressada com a qual ajudavam
o próximo, mesmo aquele de outra seita.
Tomo
como base o capítulo “Como a caridade católica mudou o mundo”, do ótimo livro
já citado aqui de
Thomas Woods, Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental.
Woods mostra como essa inclinação à caridade chamou a atenção até mesmo de
críticos ou inimigos dos católicos, como Volaire, o escritor pagão Luciano e
Martinho Lutero, em épocas bastante diferentes.
Os estóicos já enalteciam, de alguma
forma, a ajuda ao próximo, mas nada se compara ao que veio com o advento do
cristianismo. Afinal, a sabedoria, para o estoicismo, envolvia certa
indiferença em relação ao próprio sofrimento, o que era naturalmente estendido
ao próximo. Diante da dor, sua ou de outro, o estóico deveria mostrar-se
superior, o que levou alguns famosos membros do estoicismo a posturas que
veríamos como monstruosas hoje, como a reação de Anaxágoras ao saber da morte
do seu filho: “Eu nunca pensei que tivesse gerado um imortal”.
Sêneca, um dos romanos mais sábios de
todos, assim se manifestou sobre a piedade: “O sábio poderá consolar aqueles
que choram, mas sem chorar com eles; socorrerá o náufrago, dará hospitalidade
ao proscrito e esmolas ao pobre [...], restituirá o filho à mãe em prantos,
salvará o cativo da arena e até mesmo enterrará o criminoso – mas em toda a sua
mente e no seu semblante estará igualmente imperturbável. Não sentirá
compaixão. [...] Só os olhos doentes se umedecem ao verem lágrimas em outros
olhos”.
Os
cristãos mudaram isso. Após seu avanço, o doente passou a ser aquele que não chorava junto, que não molhava os
olhos ao ver a desgraça alheia. O novo mandamento de Jesus Cristo, afinal, era
claro: “Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”. Uma meta um
tanto difícil, quiçá utópica, mas que serviu como um norte para seus
seguidores, um objetivo que permanentemente os lembrava de que somos todos
iguais, universalizando a caridade. É o que irmãos fazem.
O resultado prático disso foi que os
primeiros hospitais, como os conhecemos, foram provavelmente criados pela
Igreja. No século IV, a Igreja começou a patrocinar a fundação de hospitais em
larga escala, de tal modo que quase todas as principais cidades acabaram por
ter o seu. Casos como o dos hospitalários de São João ficaram conhecidos e se
espalharam pela Europa.
Os mosteiros medievais tiveram grande
papel na caridade, e sua dissolução, no século XVI, levou “a uma drástica
redução das fontes de caridade”, segundo o pesquisador Paul Slack. O mesmo
aconteceu após a Revolução Francesa, cujo ataque à Igreja abalou a fonte de
inúmeras boas obras. Em 1847, a França já contava com quase 50% a menos de
hospitais do que no ano do confisco pelos jacobinos.
Que o leitor não se engane: sou um
economista liberal, admirador de Adam Smith, e entendo perfeitamente que não é
da benevolência do açougueiro que temos carne para comer no jantar. Como alguém
que leu toda a obra e escreveu um livro sobre Ayn Rand, também compreendo a
importância da “virtude do egoísmo”. O inferno está cheio de boas intenções, e
elas sem dúvida não bastam para criar um mundo melhor.
Basta pensarmos na questão da usura,
sempre condenada pela Igreja. Ora, depender de empréstimos apenas com base na
caridade seria limitar totalmente o mercado de crédito, punindo os mais pobres.
O juro é o preço do capital, e a impessoalidade do mercado é sua grande
vantagem: não precisamos apelar para os sentimentos para obtermos resultados
favoráveis a todos.
Dito isso, não resta dúvida de que um
mundo com mais é melhor do que um mundo com menos caridade. Sem atos de
caridade a situação seria ainda pior. Afinal, sempre haverá aqueles que ficaram
para trás, os necessitados, os carentes, e é louvável o ato de ajudá-los
voluntariamente, sem nenhum interesse imediato nisso. Fazer o bem porque isso é
bom, sem alarde, sem propaganda, sem esperar nada em troca além da sensação de
que ajudou o próximo por empatia.
O que
nos leva a questionar os efeitos não só econômicos, mas também morais do welfare state. O Estado de bem-estar social, ao
estatizar a caridade, tornou-a compulsória, uma obrigação legal,
transformando-a em dever em vez de direito. Isso não foi sem consequências para
a própria caridade e para aqueles que a recebem. Muitos passaram a ver como um
direito garantido o recebimento de todo tipo de ajuda, ignorando que isso
implica no dever de terceiros trabalharem para sustentar tais benefícios. E os
cidadãos que já são forçados a pagar pesados impostos se sentem livres da
responsabilidade moral de ajudar (ainda mais) o próximo.
O mundo é melhor quando há mais
caridade. Mas esta jamais pode ser obrigatória, sob a mira de uma arma. Não há
escolha nesse caso. Portanto, não há moralidade. Vale notar que os países mais
capitalistas, como os Estados Unidos, são também os mais caridosos e filantrópicos.
Ricos empresários doam fortunas para a caridade. O cristianismo teve sua
parcela nesse legado moral, sem dúvida.
A tentativa por parte dos socialistas
de usar o estado, ou seja, a força para impor tal ato nobre simplesmente anulou
qualquer nobreza nele, além de gerar resultados diametralmente opostos àqueles
desejados. Solidariedade sim, mas sempre voluntária. Como o próprio Jesus
Cristo defendia.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/caritas-o-legado-moral-do-cristianismo/
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