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sábado, 19 de dezembro de 2015

Íntegra da palestra “Princesa Isabel: exemplo excelso de amor ao Brasil, na dimensão fé e política”

O Blog Monarquia Já disponibiliza exclusivamente, na íntegra, a palestra proferida pelo Prof. Hermes Rodrigues Nery, Coordenador do Movimento Legislação e Vida, no III Simpósio Conservador de Belo Horizonte (MG), em 7 de agosto de 2015.



Caríssimos amigos,

Professor Hermes Nery |  Com alegria, retorno a Belo Horizonte, ao qual agradeço pelo convite em participar deste III Simpósio Conservador, ao que parabenizo mais uma vez pela iniciativa, tendo em vista a importância de momentos como este, de aprofundamento, de intercâmbio de ideias e experiências, no sentido de nos ajudar a encontrar melhores meio de atuação, num contexto político atual, de deterioração moral em todos campos, em que as instituições estão capituladas, urge portanto retomar o sentido do civismo em nosso País, capaz de fazer revigorar nossas bases morais. Só assim conseguiremos superar a crise da representatividade e da legitimidade, para um governo sadio. Daí também a crise de liderança, da confiança em quem exerce funções diretivas, especialmente na gestão pública.

O problema todo que está na raiz desta debacle moral, e as suas terríveis consequências de desarranjo e instabilidade generalizada, é justamente porque “já não há um ambiente geral cristão”1, e sabemos que o cristianismo é, em todos os períodos da História, a força propulsora dos princípios e valores morais que dão solidez aos empreendimentos efetivamente comprometidos com o bem comum e a dignidade da pessoa humana. O fato é que “nos primeiros séculos de nossa era, o mundo não era cristão, chegou a sê-lo; hoje não o é. A diferença é que antes ainda não o era e hoje já não o é, e esta diferença é muito importante”2, por isso o agravamento em nível global da corrosão política, por faltar justamente aquilo que só o cristianismo pode oferecer. E para que possamos saber o que fazer em meio a crise em que vivemos, também no campo político, é preciso voltar a compreender o que é ser cristão, “para que o que é cristão possa voltar a ser compreendido”3.

A distinção entre César e Cristo, foi dada claramente pelo próprio Cristo, e mesmo a Igreja não tendo modelos políticos a propor, traz em sua doutrina moral e social, diretrizes imprescindíveis que inspiraram grandes lideranças (como Santa Joana d’Arc) e fizeram inclusive governantes santos, a exemplo de São Luís e São Thomas More, referências até hoje, no cristianismo, da verdadeira dimensão fé e política.

Foi justamente esta dimensão que contribuiu para o esplendor civilizacional, com a “conexão desta vida com a outra”4, dimensão sempre pontifícia [da ponte com a realidade sobrenatural, que é a origem e a destinação final de todos], pois o próprio Jesus disse a Pilatos: “O meu reino não ´deste mundo”5, mas começa aqui, na provisoriedade, o que será vivido plenamente na vida eterna. Imbuído dessa convicção, os governantes santos foram capazes de vigências morais a dar sentido [direção] à vida humana, para o essencial, e também porque não agiram com a tentação de “transformar em pão as pedras do deserto”6, deixando “Deus de lado”7, [é a tentação de hoje com a ideologização da fé], mas sabendo do maná do Senhor, e de Suas Leis, para que a política esteja também purificada de tais tentações, e as decisões dos governantes estejam mais em consonância com a verdade e o bem. Como destaca Bento XVI, “ordenar, construir o mundo de um modo autônomo, sem Deus”8 é o grande equívoco a tirar da política a sua base moral, vulnerabilizando com isso, pessoas e sociedades à ilusões, violências e infelicidades incontáveis.  “Onde Deus é excluído, a lei da organização criminal toma seu lugar, não importa se de forma descarada ou sutil”9. É o que estamos vendo hoje, inclusive em nosso País, e em toda a América Latina, quando grupos de poder, inteiramente amorais e imorais, aparelharam as instituições (e inclusive setores da Igreja) e tomam decisões, agindo com volúpia e abusos de poder, buscando impor uma ideologia irrealista que favoreça apenas tais grupos de poder e não a sociedade em geral. “Há uma ideologia que, no fundo, reduz tudo o que existe a um comportamento de poder. E essa ideologia destrói a humanidade e também e a Igreja10”. E a ideologização da fé traz também essa corrosão, e setores da Igreja instrumentalizados por tais grupos de poder acabam sendo coniventes com isso, alguns conscientes outros inconscientemente, mas quando se duvida da verdade sobre o primado de Deus na História, da Sua soberania, então tal ideologia subverte os valores e compromete a verdadeira dimensão fé e política. Por causa disso, hoje, a fé cristã “está ameaçada em toda a parte”11, fé e política ameaçadas por tais ideologias e estruturas do mal. Isso porque, aqueles que deveriam mais zelar pela causa de Deus, ao aderir a tais tentações, com pactos faustianos, intensificam assim as forças adversas ao cristianismo, forças do mal, pois “o mal tem poder através da liberdade do homem e cria então as suas estruturas. Porque existem, manifestamente, estruturas do mal”12. Daí a verdadeira dimensão fé e política estar sempre situada no contexto de um combate entre a cultura da vida e a cultura da morte. E os governantes santos, luminares da história, decidiram não fraquejar neste combate, e a exemplo de São Miguel Arcanjo, o primeiro combatente pela causa de Deus, souberam sofrer as dores inevitáveis para fazer valer os princípios e valores cristãos, também no campo político, para espelhar a bondade, a magnanimidade e a misericórdia de Deus, e mostrar ao mundo que somente Cristo é o Senhor e Salvador, somente com Ele é possível vencer o mal, somente Ele abrirá as portas do Céu.

Os governantes santos buscaram evitar portanto que a política fosse usada para a prática da iniquidade.  Assim agiu José do Egito, e tantos ao longo da História.

No Brasil, tivemos a Princesa Isabel, uma governante cristã e santa, que amou o País, talvez mais do que qualquer outra liderança política em nossa História, e sofreu por isso o mais longo exílio impingido a uma autoridade pública, e morreu sem poder ter voltado ao Brasil que tanto amou. Um exemplo de vida na dimensão fé e política, que teve claramente a visão do Brasil real em consonância com a sua profunda identidade católica, o Brasil que todos os que aqui vieram desde a chegada de Pedro Álvarez Cabral, e escreveram sobre o que viram [e também das mazelas que viram por aqui], mas atestaram, com vivo entusiasmo, a promissão deste País continental, “um país plural na raiz de seu ser histórico”13, nascido Terra de Santa Cruz, para dar ao mundo a contribuição civilizacional, na convergência de todas as culturas, inspirada no catolicismo “cimento da unidade nacional”14, que a Princesa Isabel, desde a infância, assumiu com ardor, a propulsionar a vocação e a missão do Brasil (que foi também a sua vocação e missão), como um país generoso, cujo “poderoso caldeamento”15, ainda hoje é esperança ao mundo, mas que somente com a seiva cristã vivificada será capaz de alcançar seu excelso destino promissor.

Como destaquei na primeira parte de um breve retrato biográfico da Princesa Isabel:

“…a orientação segura para o melhor desenvolvimento de sua personalidade, direcionando-a para a melhor realização como pessoa, foi sem dúvida, a influência cristã, cuja doutrina católica ela assimilou tão bem, e a viveu de um modo tão intenso e coerente, em todas as fases de sua vida… Isso porque sabemos que “‘o pensamento e a vida são inseparáveis’, do contrário não se é ‘possível compreender o que significa ‘católico’. Com esta convicção, a princesa Isabel buscou sempre afirmar a coerência de vida.”16

E ainda naquele breve retrato, ressaltei que a Princesa Isabel

“…demonstrou nos três períodos em que assumiu a Regência do País, o quanto amou o Brasil e direcionou sua ação em decisões que expressaram a sua convicção firmíssima na fé católica. E esta fé a preparou e a orientou para assumir a coerência de vida, em fidelidade à fé que a sustentou, e por causa disso perdeu o trono, vivendo a dor do mais longo exílio impingido a uma autoridade política brasileira. Até mesmo no infortúnio do ostracismo, distante da terra natal, ficou evidente “a devoção da princesa pelo Brasil e seu desejo de fazer o bem”. Seus inimigos e detratores, especialmente os republicanos de inspiração positivista e anticlerical, foram implacáveis em lançar sombras sobre a sua vida, patrulhando-a ideologicamente, silenciando sobre suas reconhecidas virtudes pessoais e cívicas, pois temiam o seu reinado por justamente ela ter comprovado ser uma governante cristã. Temiam mais ainda o seu retorno, porque ela tinha a afeição do povo, que a chamou em vida de “A Redentora”. Quando lhe propuseram recorrer às armas para retornar ao Brasil, ela recusou, pois “considerava o uso da força incompatível com o cristianismo”, do mesmo modo como agiu em relação ao movimento abolicionista, evitando a via da violência, para obter a libertação dos escravos. “Quando a política deixará de empregar meios que diminuem a grandeza moral dos povos e das pessoas? – Escreveu do exílio a João Alfredo Correia de Oliveira – É assim que tudo se perde e que nós nos perdemos. O senhor, porém, conhece meus sentimentos de católica e brasileira”. Lembrando D. Pedro II, que falecera num hotel em Paris, em 1891, destacou: “Meu Pai, com seu prestígio, teria provavelmente recusado a guerra civil como meio de tornar a voltar à pátria… lamento tudo quanto possa armar irmãos contra irmãos…”, pois ela “antes de tudo pensava nos mutilados, nas viúvas e nos órfãos”. Podemos dizer da menina carioca, nascida no Paço de São Cristovão, que um dia ascenderia ao trono brasileiro para reger com um coração cristão, o mesmo que Antonio Vieira expressara de Santa Isabel de Portugal, a quem o nome da nossa princesa faz evocação: “Isabel não só foi filha de rei (…) mas que filha! que mulher! que mãe!”17

E ainda naquele breve retrato biográfico, prossegui:

“No ditado em português, do caderno da Princesa D. Isabel, nº 12, ela exorta como os homens devem estampar a sua vida na história: como “uma alma pura, patriota e caridosa”, e exclama: “Como é belo passar-se à posteridade com a reputação de São Luiz, de Felipe Camarão!” Vidas exemplares marcadas por “pureza, patriotismo e caridade”. Tais valores não foram mencionados como um exercício meramente retórico, mas almejados por sua vida inteira, mesmo depois de ter perdido o trono, por justamente ser fiel a tais valores. Destaca também sua admiração por Henrique Dias “um dos grandes heróis do Brasil. Era preto e sua valentia não era menor do que a dos primeiros generais do seu tempo. Achou-se muitas vezes com Felipe Camarão e defendeu o Brasil contra a invasão holandesa. Assistiu à segunda batalha dos Guararapes, ficando ferido. El-rei de Portugal quis recompensá-lo e deu-lhe um hábito de Cristo”. De modo muito especial estava São Luís em suas devoções. Para ela, “Luís é um desses cristãos para quem a Paixão de Jesus é um acontecimento sempre contemporâneo e que deve fazer parte da ação no presente, e não somente no qual se busque um passado santo”. Vida de intensa espiritualidade, leigo cristão, pai de família, rei cruzado e legislador, eis um modelo que empolga a princesa Isabel, desde criança. “São Luís de França, o Rei Luís IX (1214-1270), participou de duas cruzadas ao Oriente, era responsável por inúmeras fundações religiosas, conventos e hospitais. Destacou-se por sua devoção cristã e práticas caridosas destinadas aos doentes, pobres, cegos e indigentes. Sua conduta, segundo relatos da época, era orientada por uma profunda admiração pela Igreja e por seus ministros. Apesar da distância cronológica que separa o rei medieval do índio setecentista (Felipe Camarão), ambos destacaram-se na luta contra os infiéis, favorecendo a expansão cristã católica, associados a um projeto político. Como almas puras, patriotas e caridosas, mereciam respeito e admiração da Princesa. D. Isabel parecia associar o patriotismo ao reconhecimento cristão”. Ainda no mesmo caderno de ditado em português, escreveu a Princesa: “A caridade é uma grande virtude. Deus nos diz no primeiro mandamento: ‘Amai a Deus sobre tudo e ao próximo como a ti mesmo’. Quantos exemplos de caridade nos deu Jesus Cristo em sua vida. Deixai os meninos vir a mim, disse ele um dia quando os discípulos despediam umas crianças (…) como não considerar esta virtude uma das primeiras? Ela deve sobretudo existir nos soberanos para serem considerados como pais de seus súditos. São Luís, rei de França, Santa Isabel de Portugal e Santo Estevão da Hungria são excelentes exemplos desta virtude”.18

Lembrava ainda em meu breve retrato biográfico:

“Sob o pulso forte da Condessa de Barral, foi possível uma educação “para que a formação espiritual da princesa correspondesse às suas responsabilidades sociais”.67 E muito cedo despertou-lhe também o apreço pela poesia, de sã influência. Nas poucas horas de lazer, havia tempo para as meninas recitarem versos como estes, do Visconde de Pedra Branca, pai da Condessa de Barral: “Poe na virtude Filha querida, De tua vida Todo o primor. Não dês á sorte, Que tanto ilude, Sem a virtude Algum valor”.19

E mais:

“A fé católica impregnou em sua alma jovem, com um tal enraizamento como a semente lançada em terreno muito receptivo. Os seus sentimentos, pensamentos e visão de mundo solidificaram-se de modo inteiramente cristão. “O incentivo vinha certamente da mãe”93, de fé madura, “marcado por uma tradição napolitana (…) de apoio irrestrito ao papa”.94 A princesa Isabel, assim como São Luís, sentiam-se membros “de um corpo, a Cristandade, que tinha duas cabeças, o Papa e o Imperador”.95 O poder espiritual dando diretriz ao poder temporal, sustentando-o com seus princípios e valores, tendo em vista “as riquezas de salvação”96, e não apenas prosperidade material, pois seus escritos de infância e adolescência, comprovam a sua convicção de que “a história não pode ser regulada longe de Deus por estruturas simplesmente materiais”97, pois “se o coração do homem não for bom, então nada pode tornar-se bom”.98 Com isso, teve “uma visão alegre da vida”99, da alegria que vinha do espírito das bemaventuranças, experimentando desde cedo, de modo privilegiado, o quanto foi querida e amada pelos pais. Viveu assim a expressão concreta de um Deus exigente, como fora com Abraão, Jacó e Moisés. Uma alegria sadia, purificadora e santificadora, manifestada de forma a encantar a tantos a sua volta, com quem irradia uma esperança de vida, mesmo em meio às dores e sombras inevitáveis. “Diante de uma sociedade cada vez mais secular, marcada por inúmeros problemas sociais e disputas político-partidárias, D. Isabel imaginava que uma sociedade melhor seria alcançada por meio da re-adoção de valores cristãos católicos”. Tais valores lhe deram segurança efetiva em meio à secularização crescente, com forças anticristãs que emergiam do Iluminismo e ganhavam força depois da Revolução Francesa. Tronos eram derrubados por esta força hostil à Igreja, principalmente na Europa, mas “as escolhas e apostas da Princesa”101 fizeram-na adotar uma “política do coração”, afirmada na convicção de que somente os valores cristãos lhe dariam “os suportes que julgava suficientemente estáveis”.20

Imbuída desses sentimentos e dessa convicção, é que ela assumiu, ainda jovem, o maior desafio enquanto governante do Brasil, nos três períodos de Regência, ao ter de encontrar uma resposta ao principal desafio política do seu tempo, o de promover a abolição dos escravos, sem derramamento de sangue, adotando assim a solução católica àquela grave questão.

Na primeira palestra que proferi, logo após sugerir ao Arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Orani João Tempesta, a abertura do processo de beatificação da Princesa, Isabel, assim expus:

“As decisões que a Princesa Isabel tomou como regente, tornaram evidente que reconheceu antes de mais nada, o primado de Deus. Em seu tempo, surgiram e se intensificaram forças ideológicas contrárias à doutrina social cristã (cabe lembrar que o Manifesto Comunista é de 1848). E que ela perdeu o trono justamente no enfrentamento destas forças espirituais (cujas tensões ficaram evidentes no próprio movimento abolicionista, e que tal movimento só foi bem sucedido porque teve na Princesa Isabel a firmeza de fazer valer a fé católica no processo. E por isso é que foi possível evitar derramamento de sangue, e conter os ímpetos dos que queriam que se repetisse no Brasil as violências ocorridas, por exemplo, no Haiti e nos Estados Unidos.  Foi o catolicismo defendido pela Princesa Isabel,  que permitiu o êxito do maior movimento social da história deste país, e com um resultado jubilante. Tudo isso porque prevaleceu no processo o primado de Deus, que ela tão bem expressou em suas ações decisivas. No exílio, ela pôde melhor compreender o alcance do significado do mistério da fé na história.”21

E expliquei naquela conferência:

“Há muito o que descobrir da relevante atuação da princesa Isabel no movimento abolicionista, muito mais do que apenas ter assinado as Leis do Ventre Livre (1871) e a Lei Áurea (1888). Não tivesse ela assumido a regência e dado o tom tanto na gestão quanto na metodologia de trabalho e o movimento teria tido um rumo mais drástico e explosivo. Foi o componente católico que ela imprimiu e que a voz vigorosa de Joaquim Nabuco expressou, entre outras, que ressoou e influiu significativamente, não somente entre os proprietários rurais resistentes à abolição, mas principalmente entre os negros devotos organizados nas irmandades religiosas, especialmente a de Nossa Senhora do Rosário. Os antropólogos ficam admirados de ver como as irmandades católicas, de origem dos tempos medievais e instituídas tanto em Portugal quanto na África foram um elo de ligação entre os negros que queriam a sua libertação, mas sem o apelo à violência. As irmandades católicas, portanto foram decisivas para que o movimento abolicionista fosse bem sucedido, pois teve à frente uma governante mulher e cristã, que tão bem entendeu a alma do povo brasileiro.    Conta Didier Lahon que “na viragem do séc. XV para o XVI, alguns escravos negros já eram membros da confraria do Rosário de Lisboa. Essa opção pela Virgem do Rosário advinha de que ‘ a devoção ao Rosário, e a confraria que lhe estava confiada, pregava assim, como ainda hoje, o mais amplo ecumenismo social e racial, tentando derrubar, no seio da comunidade espiritual dos irmãos, as barreiras que os separavam na vida cotidiana’.

Foi o papa Pio V quem instituiu em 1573 a festa de Nossa Senhora do Rosário da Vitória para celebrar o êxito dos cristãos na Batalha de Lepanto. Desde então a devoção do rosário cresceu até os dias de hoje exercendo uma força misteriosa nos destinos dos países cristãos, especialmente na luta contra as forças hostis à Cristandade. Ainda hoje para nós católicos, é significativa a assinatura da Lei Áurea no dia 13 de maio, quase trinta anos antes, no mesmo dia, da aparição de Nossa Senhora de Fátima, oferecendo o rosário como arma contra os inimigos da Igreja.

‘Segundo o Papa Pio V a vitória teria se dado graças à interseção da Virgem, em resposta aos Rosários a ela oferecidos, e Gregório XIII, seu sucessor, mudou o nome da festa para Nossa Senhora do Rosário, reforçando o Rosário como arma da vitória’.

A devoção ao rosário – sempre extremamente popular – foi muito difundida e aceita pelos escravos no Brasil, e foi esta devoção que exerceu grande influência – através da atuação das irmandades católicas – no movimento abolicionista. Isso é o que estão descobrindo os antropólogos e acadêmicos da atualidade.

John Thorton chamou atenção no meio acadêmico da ‘importância do catolicismo na África Centro-ocidental nos séculos XVI, XVII e XVIII”21 e “o lugar nada desprezível do catolicismo na relação que os africanos e afrodescendentes brasileiros mantinham com as terras de seus antepassados.’ Marina de Mello e Souza, a partir de pistas indicadas por Thorton, afirma que ‘no Brasil em algumas ocasiões o catolicismo, por estar presente na região do antigo reino do Congo desde o final do século XV, serviu de ligação com um passado africano que era importante elemento na composição das novas identidades das comunidades afrodescendentes no contexto da diáspora.’

E também os estudiosos perceberam entre os escravos no Brasil, duas formas de expressão religiosa que estarão manifestas no modo como atuaram no movimento abolicionista. Esta distinção resultará em duas opções de resistência: a do negro revoltoso e fugido, aquilombado, que se insurge contra o sistema escravista, pela via da violência. A outra opção foi a assumida pelas irmandades católicas, que agregou também em quilombos muitos negros devotos do rosário: a do negro alforriado, organizado para prestar auxílio aos demais, sem violência, agindo pela via institucional. Estas duas distinções têm relação as duas formas de expressão religiosa existentes durante a escravidão: ‘No primeiro caso estão os calundus, nos quais ritos eram realizados em torno de altares que abrigavam objetos mágico-religiosos, havendo a oferenda de sangue de animais, bebida e comida, ao som de tambores e com a possessão de algumas pessoas por entidades sobrenaturais. No segundo caso estão os cortejos e danças que acompanhavam a coroação de um rei negro pelo padre, por ocasião de festas em torno dos santos padroeiros de irmandades nas quais a comunidade negra se agrupava. Enquanto os primeiros eram no geral seriamente perseguidos, assim como os quilombos e as tentativas de rebelião, os segundos eram quase sempre aceitos e muitas vezes estimulados, uma vez que eram vistos como formas de integração do negro na sociedade colonial escravista.’ Foi em meio a este contexto que se deu a mobilização popular pela abolição, cujo papel das irmandades religiosas católicas foi decisivo para que o processo culminasse com a Lei Áurea. A Princesa Isabel percebeu, desde o início, tais tensões, e juntamente com outras lideranças, atuou para que o gradualismo não se estendesse demais, para não acirrar os conflitos (tanto dos proprietários rurais quanto dos escravos aquilombados que fugiam e partiam para a resistência com violência).

No entrechoque das posições assumidas pelos grupos atuantes, prevaleceu a solução católica, não imposta pelo governo nem por eclesiásticos, mas aceita naturalmente (e aí a importância do dado antropológico) por aqueles que sofriam a tragédia da escravidão e queriam se libertar da opressão, para serem aceitos como pessoas e não mercadoria, e não serem discriminados socialmente. Esse aspecto foi fundamental para preservar até hoje em grande parcela da população negra do País, uma devoção especial à Princesa Isabel, uma veneração imbuída de um profundo sentimento de gratidão, e é desta parcela significativa que vieram os primeiros testemunhos de sua fama de santidade, ainda em vida.”23 

Meus amigos! Eu poderia me estender aqui elencando tantos fatos vividos que comprovam as excelsas virtudes daquela que governou santamente este País e cujo reinado foi abortado pelos republicanos, quando ela tinha apenas 43 anos, e com quase por fazer.

E mais:

“Poucos meses antes, tendo vivido a sua entrada radiante em Jerusalém, com o glorioso 13 de maio, sentiu no exílio, as dores do Getsemani, e a partir de então, se associou ainda mais aos sofrimentos de Jesus, rei dos reis, despojado de sua majestade, escarnecido e humilhado, até a morte de cruz. No exílio, foi entendendo mais intensamente, as consequências da adesão àquele que é o verdadeiro Mestre, pois ‘o seguimento é expressão de conversão permanente a Jesus Cristo’. E na medida em que os anos no exílio foram lhe mostrando que talvez nunca mais voltasse mesmo a  ver o Brasil, continuou perseverante e se dedicando muito aos brasileiros, pois na sua vivência católica, de amor sempre universal, deu o testemunho de que ‘seguir é viver, amar, crescer em fidelidade, comprometer-se na construção do reino e solidarizar-se na justiça e na amizade’.

A princesa Isabel, pela sua formação e determinação, pelas suas opções e decisões, pelo modo como suportou as perdas e dores e da maneira como afirmou a fé, teve o sentido de Deus, numa época em que já se sentia poderosas correntes culturais e políticas decretando a morte de Deus no mundo, ela viveu e fez o que fez movida pela direção de Deus, que ‘compreende e dinamiza a pessoa inteira com toda a sua força e sua relação essencial’, pois, a história mostra de modo claríssimo de que ‘quem possui o sentido de Deus possui ao mesmo tempo o sentido da vida e do ser humano. Assim unem-se em síntese a escuta e a prontidão para a resposta existencial’.

Como Samuel, a princesa Isabel ainda muito jovem já havia expressado em seu coração aquele feliz ‘Eis-me aqui Senhor!’”24

Que hoje nós possamos, com o seu exemplo santificador, reencontrar lideranças cristãs, entre nós, na dimensão fé e política, novamente com [esse testemunho de amor pelo Brasil, no momento difícil e desafiante em que vivemos agora. Que ela possa interceder por lideranças política santas, para que haja o governo sadio que tanto precisamos, para que assim o Brasil alcance seu destino promissor.

Que Nossa Senhora Aparecida, rogue por nós, pelo bem do Brasil!

Muito obrigado!

NOTAS:


  1. RATZINGER, Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 209, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
  2. MARÍAS, Julián, Problemas do Cristianismo, p. 55, Editora Convívio, São Paulo, 1979.
  3. RATZINGER, Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 185, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
  4. MARÍAS, Julián, Problemas do Cristianismo, p. 37, Editora Convívio, São Paulo, 1979.
  5. Jo 18, 36.
  6. RATZINGER/BENTOXVI, Jesus de Nazaré, V. 1, p. 43, Editora Planeta, São Paulo, 2007.
  7. Ib. p. 41
  8. Ibidem.
  9. RATZINGER, Joseph, citado em “Poder Global e Religião Universal”, de Mons. Juan Cláudio Sanahuja, p. 5, Editora Ecclesiae, 2012.
  10. RATZINGER, Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 133, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
  11. verificar
  12. RATZINGER, Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 176, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
  13. REALE, Miguel, Variações, 2ª edição ampliada, p. 60, Edições GRD, São Paulo, 2000.
  14. FREYRE, Gilberto, Casa Grande & Senzala, pp. 91-92, Global Editora, 49ª edição, São Paulo, 2004.
  15. REALE, Miguel, Variações, 2ª edição ampliada, p. 63, Edições GRD, São Paulo, 2000.
  16. http://pt.scribd.com/doc/112183606/Breve-Retrato-Biografico-da-Princasa-Isabel-por-Hermes-Rodrigues-Nery
  17. Ibidem.
  18. Ibidem.
  19. Ibidem.
  20. Ibidem.
  21. 21.http://imperiobrasileiro-rs.blogspot.com.br/2011/12/catolicidade-da-princesa-isabel.html
  22. Ibidem.
  23. Ibidem.

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