Vitórias nas urnas são desfeitas em pouco tempo, se não forem apoiadas
pela arte duradoura da persuasão. Um movimento político que imagina poder
subsistir por slogans e por um pretenso "pragmatismo" atualmente é
tombado ao término do próximo carnaval político, bradando novos slogans.
Por Russel Kirk
(Publicado no The Intercollegiate Review, Vol. 21 (Spring 1986), pp. 25–28.)
O mais espirituoso de nossos homens públicos, Eugene McCarthy, comentou há alguns meses atrás que, hoje em dia, ele usa a palavra “liberal” meramente como um adjetivo. Essa é uma medida do triunfo da mentalidade conservadora nos últimos anos - incluindo o triunfo do lado conservador da mente e do caráter do próprio Sr. McCarthy.
Talvez seja
suficiente, na maioria das vezes, utilizar a palavra “conservador”
principalmente como um adjetivo. Pois não existe nenhum Modelo Conservador e
conservadorismo não é ideologia: é um estado da mente, um tipo de caráter, uma
maneira de olhar para a ordem social civil. O movimento ou corpo de opinião
conservador pode acomodar uma diversidade considerável de pontos de vista sobre
um bom número de assuntos, não havendo qualquer Test Act[1]
ou Thirty-Nine Articles[2] do credo conservador. Em essência,
a pessoa conservadora é simplesmente aquela que considera as coisas permanentes
mais agradáveis do que o “Caos e a noite primordial”[3]. Este é, a
propósito, um breve prefácio para algumas observações não metódicas sobre o que
a mente conservadora requer hoje.
Na América, a grande
onda da opinião pública hoje arrasta em uma direção conservadora, levando tudo
à sua frente: como Tocqueville nos instruiu, tal é, geralmente, a forma de
opinião em nações democráticas. Os eleitores mexicano-americanos claramente se
deslocaram nessa direção há menos de dois anos atrás e irão mais longe ainda;
agora, as pesquisas do The New York Times e da CBS sugerem que a
população afro-americana se volta para a mesma direção.
Tanto os assuntos
externos quanto as questões internas impelem a nação em direção a políticas
conservadoras de longo alcance. No entanto, poderia ser concebível que esses
tremendos sucessos conservadores dos anos recentes cessassem? Pode a onda da
opinião pública começar a arrastar novamente, com uma maré vazante, conduzindo
ao grande abismo muitos destroços americanos?
Sim.
Qual a causa?
Estupidez.
Qual a causa?
Estupidez.
Não foi totalmente
sem razão que, um século atrás, John Stuart Mill chamou os conservadores de
"o partido estúpido." Quatro décadas atrás, quando, na Grã-Bretanha,
o governo Attlee aboliu as cadeiras universitárias na Câmara dos Comuns,
Winston Churchill declarou que os socialistas eram "contra o cérebro"[4].
Assim os socialistas eram e são. Mas, um bom número de pessoas conservadoras em
1986, encontrando-se apenas em segundo lugar na busca da estupidez, se esforçam
mais.
Alguns anos atrás,
comentei no decorrer de um discurso que é requerida imaginação conservadora em
nosso tempo. Um homem de negócios na platéia retorquiu, “nós não precisamos de
qualquer imaginação: precisamos ser práticos”. É disso que estou falando.
Menos de 40 anos
atrás, começou uma renovação - considerada pelos liberais como um
recrudescimento - do pensamento e da imaginação conservadora. Como o fabianismo
na Grã-Bretanha duas gerações antes, mas prosseguindo em direção oposta, esse
"Novo Conservadorismo" contribuiu, trinta anos mais tarde, para
vitórias em grande escala nas eleições. Nos Estados Unidos, como antes na
Grã-Bretanha, ideias persuasivas combinaram ou coincidiram com circunstâncias
favoráveis; e, assim, o curso político de uma grande nação foi alterado,
poderosamente.
Na Grã-Bretanha,
contudo, os sucessos intelectuais dos fabianos e as vitórias eleitorais do
Partido Trabalhista foram acompanhados pelo desenvolvimento de periódicos,
editoras de livros e associações universitárias favoráveis ao socialismo. Nos
Estados Unidos, au contraire, relativamente poucos ganhos intelectuais
para a causa conservadora ocorreram desde 1953. (O ano de 1953 foi marcado pela
publicação e recepção cordial de livros conservadores de R. A. Nisbet, Daniel
Boorstin, Clinton Rossiter, Russell Kirk e outros: um ano em que os liberais
começaram a ouvir).
É verdade que várias
revistas de elenco conservador sério são publicadas atualmente, embora nenhuma
de tremenda circulação. Mas novas publicações liberais ou radicais também têm
surgido. As principais mídias de resenhas de livros são nitidamente mais hostis
em relação a qualquer livro suspeito de conservadorismo político ou de
ortodoxia religiosa do que o eram nos anos cinqüenta. Quanto à publicação de
livros, no ano de 1953 havia apenas uma editora de livros sérios respeitável e
consistente, a Henry Regnery; e em 1986 ainda há apenas uma, a mesma Henry
Regnery, que obtém apenas uma ligeira assistência das fundações e dos
homens de grandes recursos que presumivelmente deveriam estar interessados em
manter a mente conservadora viva.
Nas universidades e
faculdades, os quadros de funcionários estão muito mais dominados por radicais
do que estavam no início dos anos cinquenta - em parte por causa das violentas
bobagens da Nova Esquerda que obteve postos durante o final dos anos
sessenta e início dos anos setenta e que agora estão fortalecidos por assumirem
cargos permanentes[5]. As maiores fundações - a maioria delas -
estão dominadas pela mentalidade humanitária da Ford Foundation, a qual
avalia o diabo[6] de acordo com o grau de conservadorismo dele.
Assim, o movimento
conservador está debilitado, intelectualmente e quanto ao suporte, no exato
momento de sua ascendência popular. (A propósito, os grandes homens de negócio
da América, salvo raras exceções, nunca têm servido de apoio para causas
realmente conservadoras; se, de algum modo, eles pensam sobre política, é do
mesmo modo como pensam sobre equipes esportivas profissionais: “Vencer é o nome
do jogo”). Isto pode vir a ser um empobrecimento fatal.
Pois a necessidade
mais premente do movimento conservador na América é vivificar sua própria reta
razão e sua imaginação moral. A geração ascendente, que já ganhou um tipo de
conservadorismo irracional em quase todos os campi das universidades,
deve estar ciente de que as opiniões e as políticas conservadoras podem ser, ao
mesmo tempo, intelectualmente respeitáveis e agradavelmente vivazes.
Vitórias nas urnas
são desfeitas em pouco tempo, se não forem apoiadas pela arte duradoura da
persuasão. Um movimento político que imagina poder subsistir por slogans
e por um pretenso "pragmatismo" atualmente é tombado ao término do
próximo carnaval político, bradando novos[7] slogans.
Não estou insinuando
que o povo conservador deva definir a formação de uma ideologia conservadora;
pois o conservadorismo é a negação da ideologia. O homem público conservador se
volta para a constituição, o costume, a convenção, o consenso antigo, a
prescrição, o precedente, como guias - não para as abstrações estreitas e
fanáticas da ideologia. Estou dizendo, antes, que, a não ser que mostremos à
nova geração o que merece ser conservado e de que modo proceder acerca do
trabalho de preservação com inteligência e imaginação, a presente onda de
opinião conservadora vai nos lançar sobre uma costa severa, rochosa e
inacessível, talvez com um selvagem atrás de cada árvore. Líderes conservadores
devem declarar, como Demóstenes: “Cidadãos, suplico-vos que penseis!”
A existência de
várias facções no interior do movimento conservador não deve nos alarmar
demasiadamente. Todos os movimentos políticos reformistas de grande escala, no
início, são alianças de vários grupos e interesses que têm em comum,
principalmente, uma antipatia em relação ao que tem sido o poder político
dominante. Os jornalistas, para sua própria deleitação, inventam ou exaltam
rótulos tais como “Direita Antiga”, “Tradicionalistas”, “Neoconservadores”,
“Libertários”, “Nova Direita”, “Direita Fundamentalista” e similares. Mas,
esses grupos e categorias se sobrepõem e se misturam. Dos membros mais
excêntricos dessa frouxa coalizão conservadora pode-se esperar que caiam
gradualmente em excentricidades mais novas[8] - e não resultará em
nenhuma grande perda. Ênfases variadas sobre este ou aquele aspecto da política
pública permanecerão entre os diversos agrupamentos conservadores; mas, um
suficiente terreno comum pode ser cultivado para manter uma unidade útil em
certas grandes questões - supondo-se que abjuramos qualquer ideologia estreita
e que condescendemos para pensar. Se, pelo contrário, líderes conservadores
complacentemente imaginam que conjeturar e avançar através dos erros será
suficiente, então os futuros historiadores poderão descrever a tentativa de
acordar as mentes e corações conservadores durante a segunda metade do século
vinte como uma Mississippi Bubble[9] intelectual.
A principal
demarcação entre os grupos conservadores americanos de hoje, parece-me, é o
abismo fixado entre (por um lado) todos aqueles homens e mulheres conservadores
que, tendo visão ampla, argumentam que a atividade intelectual e o despertar da
imaginação são requeridos com urgência; e (do outro lado do desfiladeiro) todas
aquelas pessoas declaradamente "pragmáticas" que concebem um governo
conservador como aquele que se mantém na função por servir ou aplacar certos
interesses poderosos - e assim previne que algo desagradável sobrevenha sobre
aqueles nos postos de poder.
O ideólogo não pode
governar bem; mas, tampouco o pode o oportunista[10]. Pessoas
conservadoras na política precisam se manter à distância da Scylla de
abstração e da Charybdis de oportunismo[11]. Assim é que
pessoas com pensamento e pontos de vista conservadores devem rejeitar os
abraços das seguintes categorias de zelotes políticos:
Daqueles que nos
impelem a vender os Parques Nacionais para promotores privados.
Daqueles que
acreditam que pelos esfomeados sul-africanos nós podemos servir Jesse Jackson[12]
e conquistar o voto dos negros em massa.
Daqueles que
cortejariam as feministas em declínio mediante a abolição da liberdade
acadêmica através de uma nova peça de legislação de "Direitos Civis".
Daqueles que nos
instruem dizendo que "o critério do mercado" representa a totalidade
da economia política e da moral.
Daqueles que
imaginam que a política externa pode ser conduzida com zelo religioso, sobre
uma base de direito absoluto e injustiça absoluta.
Daqueles que,
imaginando que todos os erros e atos maliciosos são obra de uma “elite” maligna
ou enganada, gritam com Carl Sandburg[13], “The people, yes!”
Daqueles que nos
asseguram que as grandes corporações não podem fazer nada de errado.
Daqueles que
discursam principalmente da Comissão Trilateral, dos Bilderburgers (14)
e do Council on Foreign Relations.
E de várias outras gentry[15]
que abjuram o liberalismo, mas não são capazes de conservar nada que vale a
pena ser conservado.
Tem alguém deixado o
campo conservador? Sim.
Existem
sobreviventes até aos nossos dias, um elenco conservador de caráter e de mente,
capaz de sacrifício, pensamento e sonoro sentimento. Esse tipo de mentalidade
conservadora foi discernida na América por Tocqueville um século e meio atrás,
por Maine e Bryce há um século, e por Julián Marías há vinte anos. Se bem
despertadas em mente e consciência, tais pessoas - realmente muito numerosas
nestes Estados Unidos - são capazes de reforma e revigoramento conservador
duradouros. Mas, se a trombeta der um som incerto, quem sairá para a batalha?
Notas:
1 - Test Act - qualquer lei ou princípio que estabeleça que a elegibilidade de uma pessoa para um cargo público dependa da confissão da religião oficial. Na Escócia, o princípio foi adotado imediatamente após a Reforma, e um ato de 1567 emitiu a confissão da fé reformada como condição para se assumir um cargo público. [N. do T.]
2 - Thirty-nine Articles - declaração doutrinal da Igreja da Inglaterra que, junto com o Book of Common Prayer, apresenta sua liturgia e sua doutrina. [N. do T.]
3 - A expressão Chaos and Old Night é oriunda do poema épico Paradise Lost (linha 544, livro I), de John Milton. Este utilizou a expressão para se referir ao “material” a partir do qual Deus ordenou e criou o mundo. [N. do T.]
4 - Against
brains no original. [N. do T.]
5 - Tenure no
original - um professor universitário que tem tenure pode permanecer em
seu emprego permanentemente, geralmente depois de ter atuado por um determinado
número de anos. [N. do T.]
6 - Fiend no
original - um espírito maligno ou demônio; o diabo; uma pessoa perversa ou
cruel. [N. do T.]
7 - Fresher no
original - mais frescos, novatos, calouros. [N. do T.]
8 - Fresher no
original. [N. do T.]
9 - Mississippi
Bubble - um esquema financeiro elaborado na França do século XVIII que
desencadeou um frenesi especulativo e terminou em colapso financeiro. [N. do
T.]
10 - Time-server
no original - uma pessoa que muda seus pontos de vista para poder se
adequar às circunstâncias prevalecentes ou à moda; servo de ocasião. [N. do T.]
11 - Between
Scylla and Charybdis - expressão derivada da mitologia grega utilizada para
se referir a uma situação envolvendo dois perigos onde a tentativa de evitar um
aumenta o risco do outro. Scylla e Charybdis, segundo o livro XII
da Odisséia de Homero, eram dois monstros que ocupavam as águas
estreitas percorridas por Odisseu em suas viagens. A distância entre os
monstros era pequena, de modo que afastar-se de um significava aproximar-se do
outro. [N. do T.]
12 - Político cujas
indicações para a candidatura à Presidência do EUA pelo Partido Democrata foram
as mais bem sucedidas de um afro-americano até 2008, quando Obama conquistou a
nomeação. [N. do T.]
13 - Poeta,
historiador e romancista americano. Em meio a Grande Depressão, escreveu
um testamento poético ao poder do povo de avançar, de seguir em frente,
intitulado The People, Yes (1936). [N. do T.]
14 -
Aqui trata-se de uma referência satírica ao Bilderberg Group,
também conhecido comoBilderberg conference ou Bilderberg
Club, uma conferência realizada anualmente com a presença majoritária de
pessoas influentes da Europa e da América do Norte, isto é, governantes,
políticos, banqueiros, industriais e gente do campo trabalhista, educacional e
das comunicações.
15 - Gentry
- pessoas de boa posição social, especificamente a classe de pessoas
próxima ou logo abaixo da nobreza em posição e nascimento; pequena nobreza ou
aristocracia. [N. do T.]
Tradução: José Junio Souza da Costa
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