Estou
lendo uma envolvente biografia de J.R.R. Tolkien, e para quem não faz idéia de
quem seria este nobre e eruditíssimo senhor, ele é autor, dentre inúmeras obras
de literatura fantástica de garbo, do magnífico “ O Senhor dos Anéis”, e do não
menos magnífico “ O Hobbit”. Ambos tornram-se sucessos de bilheteria ao serem
produzidos para a cinematografia sob forma de trilogias. Estas duas obras de
Tolkien, juntamente com “O Silmarillion” – uma espécie de livro do Gênesis da
Terra Média, que é o lugar onde se passa toda a saga - coroam J.R.R. Tolkien
como o “Senhor da Fantasia”.
O
capítulo 8 da referida biografia, é dedicado às amizades de Tolkien, e de que
maneira estas amizades influenciaram seu pensamento. Todos os amigos de Tolkien
nutriam a mesma afeição ao cultivo do intelecto, e davam-se em seus encontros
semanais, à leitura em voz alta, à conversas sobre os mais variados temas, e à
cerveja. Dentre os membros desse grupo, o qual chamavam de “Iklings”, que
significa “Tinteiros” ( uma alusão ao fato de serem escritores e apaixonados
pela escrita.) havia um membro ilustre e eminente, membro cujas obras de
literatura fantástica também foram transportadas para as telas dos cinemas:
refiro-me à C.S. Lewis. Tolkien, assim como outros do grupo, era fervorosamente católico.
A
amizade entre os dois revela-se intensa e complexa desde o início, porém, há um
fato que é relatado no final do capítulo que particularmente chamou minha
atenção; fala sobre a conversão de C.S Lewis de agnóstico para Cristão, operada
pela apologética de J.R.R. Tolkien. Assim se expressa Michael White, biógrafo
de Tolkien:
“Entre
muitos debates intensos e frutíferos que Tolkien e Lewis tiveram, houve um que
se destacou como um momento decisivo, marcando a circunstância em que Lewis
passou de agnóstico para crente.
Foi
em um sábado à noite, 19 de setembro de 1931. Amigo de Lewis e Tolkien, Hugo
Dyson – também ele cristão – estava fazendo uma de suas visitas frequentes a
Oxford e havia jantado com Jack (apelido como era chamado Lewis) e Tolkien em Magdalen.
Ele estava bem ciente das conversas que seus dois amigos haviam tido sobre o
assunto e entusiasmado para juntar-se a eles. Depois do jantar, os três saíram
para um passeio, e a conversa naturalmente voltou-se para o Cristianismo.
Lewis havia se entrincheirado em sua visão panteísta de Deus e, por conta
disso, não podia começar a adotar o dogma cristão, que em seu âmago, requer uma
crença em Cristo e uma convicção resoluta que Jesus foi enviado para morrer na
Cruz com o objetivo de salvar nossas almas. Lewis só podia aceitar isso como
sendo nada mais que um mito. Ele, como Tolkien, era um estudioso das mitologias
antigas, das fábulas de heróis e da salvação moral pagã. Para ele, a história
de Cristo era simplesmente apenas outra
lenda, outro mito que não era mais preciso ou significante para ele e o mundo
moderno de qualquer outro. E lá, no fundo, ele acreditava, mitos eram
claramente mentiras.
Tolkien
escutou cuidadosamente o que seu amigo disse e quando Lewis chegou a essa
conclusão, ele (Tolkien) ergueu os braços, como se dissesse: “Como você pode
acreditar que história de Cristo não passa de uma lenda antiga?” Então Tolkien
respondeu com um argumento que mudou o rumo da vida de Lewis.
Mitos,
declarou ele, com certeza não são mentiras. Mitos derivam de um núcleo
verdadeiro e carregam consigo um significado cultural muito específico. O
cristianismo é baseado naquilo que Lewis considerava o “mito de Cristo”. Muito
bem então, Tolkien argumentava, chame-o de mito se assim quiser, mas ele é construído
a partir de eventos reais e inspirado em uma verdade profunda. Em última instância,
nenhum mito é mentira, acreditava Tolkien, e o “Mito” que reside no centro do
cristianismo, fornece um caminho a ser
seguido em busca dos aspectos não materialistas de cada ser humano, uma estrada
para a verdade espiritual mais profunda.
A
revelação não chegou instantaneamente, mas é claro que esta conversa fez Lewis
pensar a respeito do problema da Fé de uma maneira bem diferente daquela a qual
estava acostumado. Lewis nunca aceitou alguns aspectos do conservadorismo
cristão; parecia que seu intelecto sempre ficava no caminho de sua Fé. Uma vez
escreve para um amigo: “ Como eu – eu, mais do que ninguém – poderia chegar a
acreditar numa história ridícula como essa?” No entanto, duas semanas após seu
debate dom Tolkien e Dyson, Lewis estava escrevendo a um amigo Arthur Greeves,
contando-lhe que havia deixado suas convicções de longa data para assumir uma nova posição na qual poderia
finalmente aceitar Cristo; em outras palavras, ele agora se considerava “um
cristão”.”
WHITE,
Michael, “J.R.R. Tolkien, o senhor da fantasia”; tradução de Bruno Dorigatti.
Rio de Janeiro; Darkside Books, 2013
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